"Talvez, falando com rigorosa exactidão, nenhum espírito humano esteja no seu perfeito estado. Não há homem cuja imaginação não predomine por vezes sobre a razão, que seja capaz de regular plenamente a sua atenção segundo a sua vontade, e cujas ideias se movam em conformidade com as suas ordens. Não se achará homem algum em cujo espírito ideias ocas não exerçam por vezes a sua tirania, forçando-o a esperar ou a temer para além dos limites da probabilidade sóbria. Todo o poder da fantasia sobre a razão é um grau de insanidade; mas enquanto esse poder for de molde a que possamos controlá-lo e reprimi-lo, não se tornará visível aos outros, nem será considerado como corrupção das faculdades mentais: só se torna loucura marcada quando se torna ingovernável, e manifestamente exerce a sua influência sobre o discurso ou a acção.
Consentir no poder da ficção e dar asas à imaginação é muitas vezes o desporto dos que se comprazem demais na especulação silenciosa. Quando estamos sós nem sempre estamos ocupados; o trabalho da meditação é demasiado violento para ser duradouro; o ardor da inquirição dará por vezes lugar à ociosidade ou à saciedade. Quem nada tenha de exterior que o posso divertir, poderá achar prazer nos seus próprios pensamentos, e poderá conceber-se tal como não é; pois quem estará satisfeito com o que é? Alargar-se-á então entregando-se a um provir sem limites e colherá entre todas as condições imagináveis aquela que mais desejaria no momento presente, afagará os seus desejos com prazeres impossíveis e concederá ao seu orgulho uma força inalcançável. O espírito passa de um quadro para outro, reúne todos os prazeres em todas as combinações e excede-se em delícias que a natureza e a fortuna, apesar de toda a sua abundância, não podem outorgar.
Com o tempo as ideias de uma feição particular fixam a atenção, todas as outras satisfações intelectuais são rejeitadas, o espírito, fatigado ou ocioso, busca continuamente a sua concepção favorita, e deleita-se com o luxo da falsidade sempre que a amargura da verdade o ofende. O reino da fantasia confirma-se passo a passo; torna-se de começo imperioso, e com o tempo, despótico. As ficções começam então a operar como realidades, as opiniões falsas instalam-se no espírito e a vida decorre em sonhos de arrebatamento ou de aflição.
Tal é, Senhor, um dos perigos da solidão, a qual, como o eremita confessou, nem sempre alimenta a bondade, e, como o provou a desgraça do astrónomo, nem sempre é propícia à sabedoria."
Samuel Johnson
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sexta-feira, 29 de janeiro de 2016
quinta-feira, 28 de janeiro de 2016
O Príncipe
"Daqui nasce um dilema: é melhor ser amado que temido, ou o inverso? Respondo que seria preferível ser ambas as coisas, mas, como é muito difícil conciliá-las, parece-me muito mais seguro ser temido do que amado, se só se puder ser uma delas. Há uma coisa que se pode dizer, de uma maneira geral, de todos os homens: que são ingratos, mutáveis, dissimulados, inimigos do perigo, ávidos de ganhar. Enquanto lhes fazes bem, são teus, oferecem-te o seu sangue, os seus bens, a sua vida e os seus filhos, como disse atrás, porque a necessidade é futura; mas, quando ela se aproxima, furtam-se, e o príncipe que se baseou somente nas suas palavras e se encontra despojado de outros preparativos, está perdido. As amizades que se conquistam com dinheiro, e não pelo coração nobre e altivo, fazem sentir os seus efeitos - mas são como se não as tivéssemos, pois de nada nos servem quando delas precisamos. Os homens hesitam menos em prejudicar um homem que se torna amado do que outro que se torna temido, pois o amor mantém-se por um laço de obrigações que, em virtude de os homens serem maus, se quebra quando surge ocasião de melhor proveito. Mas o medo mantém-se por um temor do castigo que nunca nos abandona. Contudo, o príncipe deve fazer-se temer de tal modo que, se não conseguir a amizade, possa pelo menos fugir à inimizade, visto haver a possibilidade de ser temido e não ser odiado, ao mesmo tempo. Isto sucederá, sempre, se ele se abstiver de se apoderar dos bens e riquezas dos seus cidadãos e súbditos e também das suas mulheres. E quando for obrigado a proceder contra o sangue de alguém, não deve agir sem justificação conveniente nem causa manifesta. Acima de tudo, convém que se abstenha de tocar nos bens doutrem, porque os homens esquecem mais depressa a morte de seu pai do que a perda do seu património.
(...)
Voltando ao que disse acerca de ser temido e amado, concluo que, visto os homens amarem segundo a sua fantasia e temerem à mercê do príncipe, um príncipe prudente e sensato deve basear-se no que dele depende, e não no que depende dos outros, e deve estudar a maneira de não ser odiado, como já disse."
Nicolau Maquiavel
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O Príncipe
"Alguns imaginaram repúblicas e principados que nunca foram vistos nem conhecidos por verdadeiros. É tão grande a diferença entre a maneira como se vive e a maneira como se deveria viver que quem trocar o que se faz pelo que se deveria fazer aprende mais a perder-se do que a salvar-se, pois quem quer viver exclusivamente como homem de bem não pode evitar perder-se entre tantos outros que não são bons. Por isso, o príncipe que deseja manter a sua posição precisa, também, de aprender a não ser bom e a servir-se ou não dessa faculdade de acordo com a necessidade."
Nicolau Maquiavel
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