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quinta-feira, 4 de fevereiro de 2016

A Imortalidade

"A solidão: doce ausência de olhares."

Milan Kundera

A Imortalidade

"A vocação da poesia não é deslumbrar-nos com uma ideia surpreendente, mas fazer com que um instante do ser se torne inesquecível e digno de uma insustentável nostalgia."

Milan Kundera

A Imortalidade

    "Agnès continuou o seu caminho: o ouvido direito registava a ressaca da música, dos sons ritmados de bateria, proveniente das lojas, dos salões de cabeleireiro, dos restaurantes, enquanto o ouvido esquerdo captava os sons da calçada: o ronronar uniforme dos automóveis, o roncar de um autocarro que arrancava. Depois trespassou-a um ruído estridente de uma mota. Não pôde deixar de procurar com os olhos a pessoa que lhe causava aquela dor física: uma rapariga de jeans, com longos cabelos negros flutuando ao vento, erguia-se muito direita no seu selim como diante de uma máquina de escrever; desprovido de silenciador, o motor fazia uma barulheira atroz.
     Agnès lembrou-se da desconhecida que três horas antes entrara na sauna e que, para apresentar o seu eu, para o impor aos outros, anunciara ruidosamente, ao transpor da porta, que detestava os duches quentes e a modéstia. Agnès pensou: foi a um impulso muito parecido que obedeceu o eu da rapariga de cabelo preto; essa rapariga, para se fazer ouvir, para ocupar os pensamentos de outrem, acrescentara à sua alma um estrepitoso tubo de escape. Vendo esvoaçar os longos cabelos daquela alma tumultuosa, Agnès percebeu que desejava intensamente a morte da motociclista. Se o autocarro a tivesse atropelado, se ela tivesse caído ensanguentada no asfalto, Agnès não teria experimentado nem horror nem pena, mas apenas satisfação."

Milan Kundera

A Imortalidade

" (...) há só uma coisa que todos nós desejamos, profundamente: que o mundo inteiro nos considere grandes pecadores!"

Milan Kundera

quinta-feira, 28 de janeiro de 2016

A Insustentável Leveza do Ser

    "Os homens que têm a mania das mulheres dividem-se facilmente em duas categorias. Uns procuram em todas as mulheres a ideia que eles próprios têm da mulher tal como ela lhes aparece em sonhos, o que é algo de subjectivo e sempre igual. Aos outros, move-os o desejo de se apoderarem da infinita diversidade do mundo feminino objectivo.
     A obsessão dos primeiro é uma obsessão lírica; o que procuram nas mulheres não é senão eles próprios, não é senão o seu próprio ideal, mas, ao fim e ao cabo, apanham sempre uma grande desilusão, porque, como sabemos, o ideal é precisamente o que nunca se encontra. Como a desilusão que os faz andar de mulher em mulher dá, ao mesmo tempo, uma espécie de desculpa melodramática à sua inconstância, não poucos corações sensíveis acham comovente a sua perseverante poligamia.
    A outra obsessão é uma obsessão épica e as mulheres não vêm nela nada de comovente: como o homem não projecta nas mulheres um ideal subjectivo, tudo tem interesse e nada pode desiludi-lo. E esta impossibilidade de desilusão encerra em si algo de escandaloso. Aos olhos do mundo, a obsessão do femeeiro épico não tem remissão (porque não é resgatada pela desilusão).
    Como o femeeiro lírico gosta quase sempre do mesmo tipo de mulheres, quase nem se repara quando tem uma amante nova; os amigos causam-lhe sérios embaraços porque nunca vêem que a sua companheira já não é a mesma e tratam as suas amantes sempre pelo mesmo nome.
    Na sua caça ao conhecimento, os femeeiros épicos (e é evidentemente a esta categoria que Tomas pertence) afastam-se cada vez mais da beleza feminina convencional (de que depressa se cansam) e acabam infalivelmente como coleccionadores de curiosidades. Têm consciência de tal coisa, envergonham-se um pouco dela e, para não incomodar os amigos, nunca aparecem em público com as amantes."

Milan Kundera

A Insustentável Leveza do Ser

    "Quem pensa que os regimes comunistas da Europa Central são exclusivamente obra de criminosos deixa na sombra uma verdade fundamental: é que os regimes comunistas não foram edificados por criminosos, mas por entusiastas, convencidos de que tinham descoberto a única via possível para o paraíso. E defendiam essa via com unhas e dentes, chegando inclusivamente a mandar matar muito boa gente por causa disso. Mais tarde, tornou-se claro como a luz do dia que o paraíso não existia e, portanto, que os entusiastas eram assassinos.
     Então todos caíram em cima dos comunistas: eles é que eram responsáveis pela desgraça do país (que se encontrava pobre e arruinado), pela perda da independência nacional (o país tinha caído sobre a alçada dos russos), pelos homicídios judicias!
     O debate resumia-se, portanto, a uma questão: os comunistas não saberiam mesmo? Ou estavam só a fingir que não sabiam de nada?"

Milan Kundera