"Foi deste modo que Artur se achou, por acaso, no meio que devia desenvolver as tendências do seu temperamento. Ao princípio, naturalmente, admirou sobretudo os indivíduos, as personalidades, a fraseologia nova, as excentricidades estranhas; tremeu de entusiasmo, vendo, numa noite de trovoada, na Feira, o próprio Damião tirar o relógio do bolso, um cebolão de prata, e numa atitude de Satã rebelde, dar cinco minutos a Deus para que o fulminasse, e, passados os cinco minutos num grande silêncio do Céu, atirar desdenhosamente o cebolão para a algibeira, dizendo com tédio: «Está superabundantemente provado que não há nada lá no Céu», e acrescentar, olhando para as estrelas:«a não ser algum pó luminoso de deuses mortos!» Extasiou-se diante do ilustre Fonseca, que, no seu horror pelas expressões vulgares, pedia um bife no Carneiro, exclamando:«Traga-me uma lasca do velho Ápis, preparado segundo as fórmulas do progresso!» Palpitou de simpatia com o humanitário Vilhena, ouvindo-o responder a quem lhe estranhara a tristeza: «Como querem vocês que um homem ria, quando a Polónia sofre?»"
Eça de Queirós
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